domingo, 23 de janeiro de 2011

George Lima: Um artista em construção

O primeiro tijolo de uma obra em construção
Sem título. Fila de caruru em Cachoeira, quem se banqueteia é o fotógrafo

Nascido numa família de artesãos e comerciante (avô alfaiate, mãe costureira e pai camelô), o feirense George Lima Silva, que completará 44 anos no próximo dia 30, tem se destacado no cenário das artes contemporâneas na Bahia desde a primeira década deste século.

George fez seu primeiro trabalho artístico com 7 anos. No quintal de sua casa, diante de um tijolo de construção, o garoto percebeu que a composição daquele retângulo de alvenaria se assemelhava ao gesso, quando sentiu que ele não era tão difícil de cavar. E, daquela burilação, com uma faquinha sem ponta, instintivamente, nasceu um pé humano. Os adultos, ao verem aquela escultura, admirados, não deixaram de fazer uma pergunta que para eles pareceu fundamental naquele momento: Se tratava de um pé de criança ou de um velho? “Ele tinha o formato arredondado de um pé de criança e, ao mesmo tempo, as unhas encravadas, características de alguns idosos”, explica o artista, que jura chorar muito até hoje o fato de ter perdido a sua primeira obra. Coisas que o tempo se encarregou de carregar.

É bastante significativo que sua primeira obra tenha sido um pé, cuja representação se transforma por diversas vezes no decorrer da história da arte. Outro fato para se observar é o material de que é feito o tijolo que se transformou no solitário pé: a terra sobre a qual pisamos e para onde se há de voltar. O fato de esta primeira obra ter-se desfeito com o passar dos anos, ou um pequeno descuido, ou ter-se extraviado é, realmente, lamentável, mas já vale pela sua ideia, que nasceu de um impulso instintivo, e a sua história.

Retratos do passado no presente
                     Foto da série Farra Encarnada/ Reprodução

Figuram também entre suas lembranças os retângulos, losangos e quadrados com que dona Marinalda, sua mãe, costureira, fazia cobertores de taco que ajudavam no orçamento familiar. Algumas dessas formas geométricas, ainda na infância, o inspirariam na confecção de balões de São João com papéis seda de várias cores. Mais tarde alguns formatos, superpostos como retalhos numa colcha ou tijolos numa obra ainda construção, reapareceriam em obras como “Resguardo”, apresentada em 2008 no Salão Regional de Artes Visuais da Bahia, em Itabuna; e “Coberta de Tacos” – arte comestível – obra composta por pedaços de beijus de variadas tonalidades, apresentada no Centro de Cultura Amélio Amorim (CCAAm), em 2009.

Desde pequeno, George também acompanhava seu pai, seu Gerson Pedro, às feiras livres, onde vendiam confecções (entre elas as famosas colchas confeccionadas por dona Marinalda). Nada mais natural que este ambiente que dá nome à cidade onde nasceu e se criou também esteja refletido em suas criações, de fotografias a esculturas, como a apresentada no Centro de Abastecimento de Feira de Santana, no final de dezembro de 2010. Para a mostra Intervenções Urbanas no Centro de Abastecimento, da qual participaram os principais artistas residentes na cidade, George construiu uma estrutura semelhante a dois cavaletes para telas, em forma de A. O detalhe fica por conta do material com que foi confeccionada a estrutura: pedaços de madeiras, restos de algumas barracas do próprio CA e cordões e barbantes encontrados também por lá.  No lugar de telas, que poderiam ser figurativas, ele esticou dois pedaços de pano branco, nos quais abriu rasgos com um estilete, "rompendo a superfície e deixando à mostra o material com que foi feita a estutura".

Até um Lugar de Coexistência

“A Coexistência não é necessariamente aprender a viver junto, mas talvez aprender a viver lado a lado” (Raphie Etgar)

Artista visual, arte educador, produtor cultural e designer visual, George chegou a frequentar alguns semestres do curso de Engenharia Civil, depois tentou fazer Economia, do qual também desistiu, ao perceber que no momento não era bem aquilo que queria. Atualmente, faz Letras Vernáculas na Uefs, é integrante do Grupo GEMA – Grupo de Pesquisa em Arte Contemporânea, de Feira de Santana. Entre outras atividades, ele edita a Revista de Arte QUANTA, em parceria com Edson Machado, Juraci Dórea e Maristela Ribeiro.

A partir de 1997, George Lima começa a frequentar oficinas com Caetano Dias (também feirense, é um dos artistas brasileiros que mais têm se projetado no cenário das artes plásticas nacional e internacionalmente), Chico Liberato e Ayrson Heráclito, Nora Dobarro e Almandrade promovidas pela Fundação Cultural do Estado (Funceb), que trazia mestres das artes para fazerem workshops antes de serem realizados os Salões Regionais de Artes Plásticas pelo interior do Estado. O papel desses artistas era mostrar para os iniciantes o modelo e formato de um salão, provocar e, de alguma forma, encaminhar os artistas recém-surgidos a produzir os seus trabalhos e a apresentá-los. Desde o ano 2003 George participa de diversas exposições coletivas e individuais, Salões Regionais de Arte do Estado da Bahia e intervenções urbanas, tendo em sua bagagem uma participação na IX Bienal do Recôncavo (2008).

LUGAR DE COEXISTÊNCIA

Sua última mostra individual, “Lugar de Coexistência”, que reúne 11 trabalhos fotográficos do artista, foi lançada na Galeria de Arte Carlo Barbosa (CUCA/Uefs), onde ficou de 21 de outubro a 19 de novembro de 2010. Atualmente, ela encontra-se em exposição no Museu Galeria de Arte Caetano Veloso, na Cidade de Santo Amaro da Purificação, desde 30 de novembro de 2010, indo até o próximo dia 31.

Embora a fotografia tenha entrado de fato em sua vida apenas em 2008, já com uma câmera digital, George lembra que ela nada mais é do que o recorte de um todo. “E esse recorte eu já vinha fazendo há muito mais tempo que esses três anos, antes mesmo de pegar numa câmera fotográfica, desde aquele primeiro tijolinho”.
Segundo o próprio artista, suas obras têm um caráter minimalista, pois “enxutas”, surgidas primeiro de uma ideia, um conceito. “Depois de prontas eu percebo que elas têm poucos elementos e que o seu formato apresenta características do construtivismo”, disse, referindo-se ao movimento artístico surgido no mundo socialista no início do século passado. Dentro do construtivismo, a pintura e a escultura são pensadas como construções – e não como representações –, guardando proximidade com a arquitetura em termos de materiais, procedimentos e objetivos.

Nascido no século XX e com a cabeça nas linguagens e suportes artísticos atuais, o artista que transformou o seu primeiro tijolo em um pé solitário mostra uma obra que nos leva a refletir sobre as construções físicas e (nem tanto assim) imaginárias. Ele participa de uma geração de artistas preocupados com os muros que as pessoas constroem física e mentalmente, contribuindo para a descontrução das barreiras e pela edificação de uma cultura de paz e tolerância num mundo que se mostra cada vez mais hostil.