sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Conta um conto sem alterar um ponto

 Texto: Paulo Rabelo
 Fotos: Tomaz Coelho






O uso dos cocheiros (Lion Guimarães e Márcio Nunes) como porta vozes do narrador machadiano é uma grande sacada

“Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura, e nenhuma explicação das origens. Vamos a ela”, propõe o narrador do conto A Cartomante, por um dos Cocheiros. Esta personagem (duplicada), que é secundária no conto e no palco faz as vezes do narrador machadiano, é uma grande sacada do Grupo Conto em Cena neste espetáculo. Os cocheiros (Lion Guimarães e Márcio Nunes), ‘conduzem’ Vilela (Fernando Pedro Maria), Camilo (Welber Oliveira) e Rita (Leyde Alencar) por ruas cariocas e pela deliciosa narrativa, pontuada por sentenças brilhantes carregadas de pessimismo acerca da natureza humana, comum ao Bruxo do Cosme Velho.

Tal qual
Sobre a fidelidade textual, o diretor afirma que alguns trechos do conto sofreram “remanejamentos”, necessários “para tornar a história mais acessível ao público, e mais fluida, de um modo geral. Durante a concepção e ensaios verificamos que funcionava melhor assim”. E lembra, logo a seguir, que “não há cacos. Todas as palavras estão no texto”.
Cenário, luz, figurino e trilha sonora que pontua algumas cenas, em tudo há ares de época. Percebe-se, pelos resultados, pesquisa, bagagem e um apurado senso “do que funciona”. Nenhum elemento ali parece gratuito, sem propósito. Tudo funciona para que a plateia tenha contato com o melhor de nossa literatura através das artes cênicas. Na “tradução” do conto para o drama, primou-se pela coerência e simplicidade.

Da plateia
“Sempre frequento teatro aqui em Feira, e também em Salvador, onde morei por quase 10 anos. Aqui, faço questão de ir ver as peças itinerantes do Projeto Palco Giratório (SESC) que vêm a Feira de Santana e as produções locais. Não me lembro de algo feito aqui que me deixou uma impressão comparável à de A Cartomante. A cada instante eu me surpreendia com o que estava vendo. Eles contaram uma história ambientada no final do século XIX, sem o mofo de teatro de costume, e com recursos criativos e modernos”, elogiou a designer Tatiane Alves.

Quando menos é mais

O produto final de um espetáculo não tem, necessariamente, relação direta e de dependência com grandes produções

Talento aliado à gana de fazer o melhor com o “tudo” (que na verdade, em termos de recursos necessários, é muito pouco) que se tem à disposição. O que poderia ser um obstáculo e limitações que serviriam para “justificar” eventuais falhas se transformou no grande trunfo do Projeto Conto em Cena nesta última temporada.
A economia de elementos cênicos não compromete a apresentação em momento algum. Pelo contrário. Tendo em mente tais fatos, vem à lembrança A Falecida, uma Tragédia Carioca de Nélson Rodrigues, na qual o dramaturgo, em suas rubricas, não coloca em cena nada além de duas cadeiras, um travesseiro e um jornal, embora na história haja de jogo de bilhar, passando por um velório, culminando num apoteótico Fla-Flu no Maracanã. Tiradas as devidas proporções, fica a certeza de que o produto final de um espetáculo não tem, necessariamente, relação direta e de dependência com grandes produções. Obstinação, trabalho árduo, pesquisa e pessoas em sintonias afins fazem a diferença, sempre.

“O diretor! O diretor!”
Formado pela Escola de Artes Dramáticas da Ufba, o ator Geovane Mascarenhas tem em seu currículo atuações em algumas peças em teatros soteropolitanos, assistiu a muitas peças do diretor de teatro baiano Fernando Guerreiro e de “Hacker, meu professor na Ufba, na época. Ele é um autor muito ligado a símbolos. Um autor do qual eu gosto muito é o paulista Gabriel Vilela. O grupo de teatro brasileiro que atualmente está fazendo um trabalho que me atrai bastante e está em consonância com o que eu penso sobre o que é fazer teatro é o Galpão, de Minas Gerais”.
O Grupo Conto em Cena
O grupo Conto em Cena, fruto de uma oficina de teatro do Cuca, capitaneada pelo ator e diretor Geovane Mascarenhas, há dois anos leva contos clássicos de nossa literatura ao palco do Cuca e a cidades vizinhas. Dando início a um trabalho de teatro voltado para o público estudantil, em 2010, o grupo começou a lotar a plateia do Teatro do Cuca com turmas de escolas públicas e particulares, com uma adaptação do conto O Justo – trabalho que eles resolveram apresentar como resultado da oficina de 2009. Com uma resposta positiva por parte do público a O Justo, veio a ideia de encenar outro conto de Nélson Rodrigues, A Noiva da Morte, ainda naquele ano. E assim foi feito.
A Cartomante, o conto da vez, está nos últimos dias da última temporada. Amor, de Clarice Lispector, será o conto de 2012. “A gente sempre está aberto a sugestões do nosso principal público, a escola. Este conto de Clarice surgiu quase que por unanimidade entre professores e estudantes, que interagem bastante conosco depois das apresentações”, disse Geovane.

Serviço

Além de assinar a direção, Geovane também é responsável pela concepção do cenário e luz, e operação de luz. A operação de som fica a cargo de Elidiane Souza. O figurino, que também tem ideias do diretor, é executado pelas minuciosas mãos de Vilma Bahia.

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