segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Museu Regional de Arte

MRA: Das paredes às telas
Texto: Paulo Rabelo
Foto: Filipe Oliveira

 
Por si só o conjunto formado pelos três prédios datados do início do século XX situados na Rua Conselheiro Franco merecem alguns instantes de contemplação. Um oásis em meio ao conjunto arquitetônico que o cerca (reflexo do caráter comercial que a cidade assume mais marcadamente no centro, no raio de alguns quilômetros), as três construções são 3 marcos de resistência da arquitetura eclética feirense, alguns dos poucos exemplares que insistem (felizmente) em sobreviver ao avanço do comércio, ao descaso do poder público e sociedade. Daquela época, nas imediações do que hoje conhecemos como o Centro Universitário de Cultura e Arte, o Cuca, talvez sobrevivam, além da Matriz, claro (pois o antecede), apenas alguns postes de ferro importados (W. Bollman. Baltimore. WD. U.S.A) que podem ser encontrados sob as copas dos oitizeiros plantados há algumas décadas na Praça da Matriz.
No dia 12 de março de 1916 o prédio foi inaugurado como Grupo Escolar J.J. Seabra (GEJJS). Os pavilhões em anexo, Dr. Antônio Muniz (atual Galeria Carlo Barbosa) e Dr. Pedreira Franco (que atualmente se destina a aulas de capoeira, dança e outras atividades) foram inaugurados no dia 18 de agosto de 1918, segundo Carlos Alberto Almeida Mello. Em 1925 foi criado o decreto nº 1.846, que transformaria o GEJJS na Escola Normal de Feira de Santana, a primeira do interior da Bahia; em 1935 passa a ser Escola Normal Rural de Feira de Santana; em 1943 serve de abrigo ao 18º batalhão de Infantaria da 6ª Região Militar (período da 2ª Guerra); em 1949 volta à função educacional, agora com o curso ginasial e o nome Escola Normal; em 1956 acolhe o Instituto de Educação Gastão Guimarães; em 1967 o Seminário de Música de Feira de Santana, que ocupou o prédio da antiga Escola Normal até 1994; em 1970 seria gerado ali o embrião da Uefs, a Faculdade de Educação de Feira de Santana, que funcionou em suas dependências até 1976. No dia 31 de maio daquele ano foi inaugurada a Uefs.
“A Escola jamais chegou a ser completamente abandonada, no sentido de não ser utilizada. O que aconteceu foi que o espaço foi progressivamente sofrendo com o desgaste do tempo e com a falta de manutenção, já que com a transferência das atividades para o Gastão Guimarães, a Escola Normal deixou de ser prioridade na aplicação dos recursos”, explica Aldo Morais, historiador do Cuca.
Ainda segundo o historiador, “em 1991, parte do forro do teto de uma das salas desabou. Por segurança, aquela sala foi isolada e as atividades ali desenvolvidas foram transferidas para o galpão que havia nos fundos da Escola Normal, onde hoje está o teatro de arena”.

A saga do Cuca
No reitorado de Josué da Silva Mello (1991-95), feirenses como o professor Raimundo Gama (responsável pelo envio, no início da década de 1990, de uma lista de bens imóveis de valor histórico para a cidade ao IPAC, pedindo seu tombamento), o artista plástico e arquiteto Juraci Dórea, Mons. Renato Galvão, o então diretor do Museu Casa do Sertão, Franklin Machado, e dezenas de pessoas se mostravam preocupadas com o destino das poucas peças arquitetônicas de Feira que guardavam algum valor histórico, entre elas a antiga Escola Normal.
“Em prol da Uefs, da cidade e da sociedade, de um modo geral”, nas palavras de Franklin, “seria imperdoável não aproveitar as circunstâncias, que eram favoráveis: O presidente do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), então, era um feirense apaixonado pela terra natal, o professor Divaldo da Costa Lima; além disso, desde o reitorado da professora Yara Maria Cunha Pires (1987-91), o Museu Regional de Feira de Santana (o 1º museu de Feira), tinha um convênio com o Instituto para a fotografação de todo o seu acervo”, informa. Ainda segundo ele, “imediatamente”, Divaldo veio a Feira com um arquiteto, também feirense, e começaram os levantamentos das instalações da antiga Escola Normal. Na mesma ocasião, em 1994, Divaldo Lima e o arquiteto visitaram também o painel de Lênio Braga, na Estação Rodoviária, que foi o primeiro bem feirense tombado pelo IPAC, ainda naquele ano.
Nem tudo nesta história foram flores, apesar de Dival da Costa Lima ter sido solícito desde a primeira abordagem e pedido do reitor para que o IPAC restaurasse a antiga escola, ampliasse suas instalações para a Uefs, que teria ali, no centro da cidade, um extensão voltada a diversas manifestações artísticas e culturais. Procurado por Josué Mello, o governador ACM, mesmo sem ter mais restauração a fazer no Pelourinho, a menina de seus olhos, disse que no momento não havia verbas para a reforma da antiga Escola Normal de Feira.

“Ah, é, é?”
Segundo Franklin Maxado, o reitor Josué Mello ameaçou o governador com a venda de parte dos quadros do Museu Regional de Feira de Santana para levantar fundos para a reforma. Como vender parte de um acervo único em todo o Brasil teria repercussão de nível nacional, ACM liberou o restauro e ampliação da Escola Normal, que aconteceu entre 1994 e 95.

Quando o rei do Brasil faz o 1º museu de Feira
Foto: Divulgação
Obra de um dos ingleses Pauline Vincent: Seated figure on Emanoel Square (Figura sentada na Praça Emanoel), sem data. Esmalte sobre ferro, 102 x 102 cm

Quando foi embaixador do Brasil na Inglaterra, de meados a final da década de 1950, Assis Chateaubriand adquirira muitas obras de artistas europeus, que trouxe para o Brasil na bagagem diplomática. E tudo indica que continuaria a adquirir mais obras de origem européia na década seguinte, mesmo depois de sofrer uma trombose dupla que o teria deixado em uma cadeira de rodas e se comunicando através de uma máquina de datilografar adaptada.
Um ano antes de sua morte, em 1967, ele resolve montar três museus no Nordeste. Assim, foi montado um em Recife (PE), outro em Campina Grande, cidade bastante desenvolvida de seu estado natal, a Paraíba, e um aqui em Feira de Santana, para o qual doou 80 obras de arte, segundo Gil Mário, diretor do Museu Regional de Arte.
A doação das obras de Chateaubriand teria sido fruto dos esforços de Odorico Tavares, diretor dos Diários Associados na Bahia e com contato direto com Chatô. Quando Odorico soube que o patrão estava querendo fundar alguns museus no Nordeste, tratou de apresentar o projeto que vinha sendo elaborado, a partir de uma entrevista de Eurico Alves dada a Franklin Maxado para o A Tarde, em 1965, e que mobilizou a nata da intelectualidade feirense no sentido de se criar o primeiro museu da cidade. Assim, no dia 26 de março de 1967 nascia o Museu Regional de Feira de Santana nas instalações que hoje são ocupadas pelo Museu de Arte Contemporânea Raimundo de Oliveira.

O Museu Regional de Feira de Santana abrigaria, além das obras doadas por Assis Chateaubriand, um conjunto de peças que retratavam a vida do sertanejo no seu cotidiano: selas de montaria em couro, vestimenta e chapéus de couro, típicos de vaqueiros. Uma infinidade de objetos ligados à vida e à lida no sertão. Esse acervo iconográfico foi um sonho do poeta e intelectual feirense Eurico Alves, acalentado por outros feirense, e não feirenses, que queriam proteger os símbolos de um modo de vida que estava se perdendo com a inevitável modernização dos espaços urbanos brasileiros, principalmente a partir da década de 1960, e do êxodo rural-urbano.
O MRFS funcionou no prédio que havia sido ocupado pela a administração do curral da feira do gado (onde hoje está localizado o Ginásio Estadual, a Biblioteca Municipal, a quadra defronte do Feira Tênis Clube) até 1995, quando a antiga Escola Normal é entregue, já batizada de Cuca. A parte dos couros foi realocada para o Museu Casa do Sertão e as obras de artes plásticas transferidas para o prédio central do Cuca, cuja reforma respeitara todos os detalhes da velha construção de estilo eclético, “como todas as construções levantadas em Feira no início do século passado”, segundo o diretor do MRA – sigla que substituiria o MRFS, com a mudança de endereço.

Acervo do Museu Regional de Artes
    Foto: Divulgação
“Terra” (1965), de Frans Krajcberg, artista plástico polonês radicado desde 1972 no Sul da Bahia, cuja obra reflete uma constante preocupação com a preservação do meio ambiente

“Há quem diga que o museu, de uma forma geral, é elitizado. O museu nunca foi elitizado”, protesta o diretor do MRA. “Pelo Contrário: O museu é um espaço público em que o governo gasta dinheiro para ter obras de altíssimo nível para que a população, que não pode ter obras de arte em sua casa, possa ter acesso e deleitar daquilo. Se a pessoa não pode ter um Di Cavalcante, um Vicente de Rego Monteiro, um Raimundo de Oliveira, um Caribé ou um Manabu Mabe em sua casa, ela pode ter o prazer de ver obras desses artistas e de tantos outros de valor inquestionável no MRA”.

Do acervo doado por Chateaubriand, destaca-se o conjunto de 30 obras de 28 artistas ingleses emergentes, das décadas de 1950 e 1960. Tais obras têm o reconhecimento de críticos de todo o mundo e constituem “única coleção de artistas modernos ingleses em um museu brasileiro”, explica o diretor, completando, à guisa de curiosidade, que “a maioria deles eram filhos de alemães judeus fugidos durante a 2ª Grande Guerra”.
Gil Mário comunga com ideia de que cultura tem que ser um hobie e não uma obrigação. “Tem que ser algo prazeroso. A pessoa deve ir a um museu não somente para fazer um trabalho de escola, mas para sentir prazer com a contemplação das obras que ali estão expostas. É como ler um livro”, compara.
Além daquela que ficou conhecida como a “coleção inglesa do MRA”, o museu também possui em seu acervo obras de participantes da semana de 22, como Vicente do Rego Monteiro e Di Cavalcanti, de artistas pós-modernistas e de obras de pessoas de renome nacional e internacional, como Aldemir Martins, Francisco Stockinger, Raimundo de Oliveira, Carlo Barbosa, Antônio Brasileiro e Juraci Dórea (os quatro últimos feirenses), além de Manabu Mabe, Caribé, Orlando Theruz, Jenner Augusto e tantos outros.

RECESSO, SERVIÇOS E EXPOSIÇÕES
Excepcionalmente este ano, a reabertura do MRA acontecerá em março. “Tivemos que fazer a descupinização de algumas obras e outros serviços de manutenção que fazem parte do calendário anual do museu. O atraso de abertura neste ano se deve ao fato de que esses serviços tiveram que ser mais rigorosos”, explica Gil Mário.
O prédio que abriga o MRA tem capacidade para a exposição de 57 obras, entre esculturas e telas. O prédio é composto por duas salas devidamente climatizadas e iluminadas e um hall, onde ficam expostas as esculturas. Normalmente, uma das salas é ocupada pela Coleção dos Ingleses. “Como são 30 obras, expomos 15 a cada semestre”. Elas deixam de ser expostas, às vezes, em ocasiões em que o Museu faz parceria (com permuta de obras) com outros museus e galerias de arte.
“A nossa última parceria foi com a Galeria Paulo Darzé, de Salvador, que nos emprestou 55 obras de Caetano Dias, entre fotos, instalações, óleo e acrílico”, finalizou.

Publicado na edição nº 3.430, do Folha do Estado, em 27 de fevereiro de 2011



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