domingo, 13 de março de 2011

A fina flor do samba em Feira

Texto:Paulo Rabelo Foto: Renata Sobreira                        Com um ano e quatro meses de formação, Maryzélia e os Coisinho servem de referência musical para quem mora ou passa por Feira



Ela não está pra brincadeira, afinal a música entra em sua vida antes mesmo de sua concepção. Seus pais, casados há 36 anos, passaram nove anos namorando. Nesse período eles já faziam o seguinte plano: “Se a gente se casar, vai ter uma filha que goste de samba e que ame a música. Se for mesmo uma menina, o nome dela vai ser Maryzélia”, assim contou a filha de seu Maurício e dona Zélia, que lhe contaram a história que agora lhes conto. “Para não ficar ‘Maurizélia’, eles americazaram com o y”, explica, com o bom humor que parece ser uma de suas marcas.

Adoniran Barbosa, Clara Nunes, Elza Soares, Elizete Cardoso, Dicró, Cartola, Quarteto em Cy, Novos Baianos, Bezerra da Silva, Elis Regina, Vinícius de Moraes, Chico Buarque, Paulinho da Viola, Reisado Roubado (manifestação popular que acontece no dia 5 de janeiro, Dia de Reis) da terra de seus pais, Santo Estevão (BA), festas de São João, samba de roda, chula... Tudo isso e muito mais faz parte do repertório musical e afetivo (se é que dá para separar as duas coisas) de formação da cantora feirense, hoje com 35 anos.
Mesmo com tudo isso, a moça nascida em 05 de fevereiro, “três dias depois do de Iemanjá”, sofreu (por pouco tempo, é bom que se destaque) com baixa autoestima. “Lá pelos 20 anos eu não acreditava muito em mim e na minha voz, embora meu desejo, desde que me conheço por gente, sempre foi fazer música”. Assim, vez e outra Maryzélia gravava algum jingle para comerciais e programas de rádio e TV locais e participava como backing vocal de alguma banda, quando surgia oportunidade, “porque não queria muito aparecer”. Mas Deus é bom e justo e, com o tempo, a moça toma coragem e começa a mostrar a voz. Entre o final dos idos 1990 e início dos 00, ela fez parte de um grupo musical Chamego da Gente.

“Em 2007, mais ou menos, havia um grupo chamado Chorinho e Samba entre Amigos. Seus integrantes tinham um bar tipo um karaokê ao vivo, que funcionava mais ou menos assim: alguns amigos tocavam e outros vinham chegando e, por ordem de chegada, cada um tinha direito a cantar 3 músicas. Meu pai ia sempre e, às vezes, eu o acompanhava e cantava”, conta.

Em 2008 o dono do imóvel onde funcionava o bar pediu o espaço de volta. Em meados daquele ano o grupo de chorinhos, agora contando com a presença constante de Maryzélia, mudou-se para um bar no bairro Kalilândia. Continuou tendo uma primeira parte só de chorinhos e uma parte cantada, onde, então, só ela dividia o palco com os músicos. “No início, eram gatos pingados”, lembra. “De repente, houve um upgrade na onda e o bar começou a lotar e as pessoas que não encontravam mesa iam para a Praça da Kalilândia assistir a meus shows dali mesmo”.

Maryzélia e os Coisinho esquentam as noites de sexta-feira
  Foto: Gal Fernandes

Da esquerda para a direita: Bernardo Lima (violão de 7 cordas), Ivan Marrom (percussão), Maryzélia (voz), Rangel Santos (pandeiro), Rodrigo Pirikito (cavaco) e Joabe Meira (violão)

Ela acabou ficando com Grupo de Chorinhos entre Amigos até o final de 2009, quando formatou Maryzélia e os Coisinho. “Sempre tive muita vontade de fazer alguma coisa que tivesse mais a minha cara e, então, resolvi sair pelos bares onde havia apresentação de grupos de pagode para observar os músicos. Eu tenho um amigo que toca violão de 7 cordas que havia me dito: ‘Mary, o que você resolver fazer, estou dentro’”. Mary e este amigo, Bernardo Lima (o Spaguette), começaram a sair para garimpar outros talentos para o grupo que ela pensava formar. “Desde antes de formar o grupo, pensava em batizar de ‘Maryzélia e os Coisinho’ o que seria montado com essa garimpagem”, revela, sem antes fazer questão de deixar claro que o Grupo de Chorinhos entre Amigos foi “uma grande escola”.

Por que Coisinho? “Coisinho, porque aqui, no Nordeste, principalmente no interior, quando a gente se depara com alguém que não conhece, costuma tratar por ‘coisinho’ ou ‘coisinha’, em situações como: ‘Ô, coisinho, quanto é isto?’; ‘Ô, coisinho, faz mais barato...’; ‘Ô coisinha fofa...”, explica, apertando levemente as bochechas do entrevistador, de um modo dengoso que lhe cai muito bem.

Onde havia um bar em que se apresentavam músicos de samba e pagode, lá estava ela à procura de um e outro Coisinho. Nesses locais, que também funcionavam como um “karaokê ao vivo”, a dona de uma voz doce faceira e ouvido exigente ia observando os músicos que se sobressaiam. “Na maior cara de pau eu chegava para eles e dizia: Olha, estou com uma proposta de montar um grupo assim, assim... Você topa?”. E, assim, foram juntados os cinco Coisinhos que hoje compõem o acompanhamento luxuoso da cantora que, com simpatia, suingue e muita graça vem fazendo um público cativo nos finais de semana pela cidade e região. São eles: Bernardo Henrique Lima Mota (Spaguette), violão de 7 cordas; Ivan da Conceição (Ivan Marrom), percussão; Joabe Meira (Jójó), violão; Rodrigo Sousa (Pirikito ), cavaco; Rangel Santos, pandeiro.

Atualmente, “Maryzélia e os Coisinho”, às sextas-feiras, a partir das 22 horas, lota um espaço com capacidade para um pouco mais de 200 pessoas, localizado na Avenida João Durval. Aos sábados e domingos ela sempre tem shows em festas particulares, como formaturas, aniversários e casamentos. Não é difícil encontrar seus contatos na web, afinal, ela se diz aficionada em redes sociais.

REFERÊNCIA E REVERÊNCIA   

Com um ano e quatro meses de existência, Maryzélia e os Coisinho se tornaram uma referência cultural da cidade. A sua plateia, não raramente, é composta por cariocas, paulistas, angolanos, recifenses e soteropolitanos, entre outros, que vêm à cidade, de férias ou de passagem, e são sempre levados por feirenses que querem mostrar àqueles o que de melhor é produzido na área musical em Feira.

No ano passado, na entrega do Troféu Imprensa, Maryzélia e os Coisinho foram convidados para se apresentarem antes do cantor Xangai. Foi arrumado um espaço no mesmo nível da pista dedicado a ela e seus companheiros e outro, elevado, onde Xangai se apresentaria. Terminada a apresentação da cantora feirense, o homem foi chamado a subir no palco, que já estava arrumado à sua espera. Alguns presentes ouviram quando Xangai disse: “Não quero me apresentar no palco elevado, não. Quero cantar no mesmo lugar onde Maryzélia e os ‘Cumpadinho’ se apresentaram, e quero também que eles me deem a honra de suas companhias”. Alguém que estava na plateia ouviu uma pessoa predizer, parafraseando Ari Barroso (quando este viu e ouviu Elza Soares cantar pela primeira vez em seu programa de auditório): “Nasceu uma estrela!”