sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

As faces de Guta Stresser

Foto: Guilherme Andriani/Folha do Estado


Ela tem 39 anos de idade, 26 deles dedicados ao teatro. Cinema e TV apareceram em sua vida quase simultaneamente, em 2001, ano em que estreia com A Grande Família, no papel da espevitada Bebel. A partir de então, Guta Stresser vem conquistando milhões de brasileiros ao longo dos dez anos de temporada do seriado da TV brasileira de maior sucesso. Maria Isabel da Silva Carrara é querida por adolescentes, adultos, idosos e, especialmente, crianças.
Em entrevista exclusiva a Paulo Rabelo, do Folha Estado, no início da tarde da última quarta-feira (01), Guta Stresser também falou sobre o início de sua carreira aos 13 anos, em Curitiba, sua terra Natal, sua relação com a fama e sua paixão pelo teatro e pela literatura.


Nascida em Curitiba em 1972, aos 13 anos você começou a fazer teatro e não parou. Quer dizer, em 2001, quando você conquista milhões de brasileiros com Bebel, de A Grande Família (TV Globo), a fama não lhe pega de forma súbita, nem nunca lhe causou dissabores, suponho.

Não.Como eu comecei a fazer teatro muito cedo, eu sempre fui muito focada no meu trabalho artístico, eu nunca tive, mesmo depois que fiquei famosa, uma relação com a mídia de celebridade, eu sempre tive uma relação de atriz.
A imprensa já me conhecia de teatro, a imprensa especializada lá no Rio e em Curitiba também, que é a minha terra natal e é onde eu estreei como atriz e fiz diversos espetáculos (alguns de grande sucessos de público e crítica), em Curitiba, antes de me mudar pro Rio.

E você se mudou pro Rio em que ano?
Com 22 anos, em 95. Quando eu me mudei pro Rio eu tinha 10 anos de teatro e trabalhado com diversos grupos, antes grupos amadores e depois me profissionalizei e passei a trabalhar com diretores curitibanos superrespeitados. Então, isto fez com que, na verdade, quando eu estreei com A Grande Família, eu já tinha uma relação com a minha profissão muito estabelecida. Sabe, eu não sou perseguida por paparazzi, a minha vida pessoal não é notícia, porque, realmente, essa não é a minha.
Tive indicações a prêmios, fiz espetáculos importantes, também fiz trabalhos bacanas no cinema, foram trabalhos que foram respeitados logo pela imprensa especializada. Também houve boas críticas de peças que fiz em Curitiba, antes de ir pro Rio.
Em Curitiba mesmo eu estreei uma peça, O Vampiro e a Polaquinha, baseado no texto homônimo de Dalton Trevisan e dirigida por Ademar Guerra, que ficou três anos em cartaz e foi uma coisa incrível, tanto em termos de sucesso como aprendizado.

Em 2001, quando você estreou como a Bebel, você também seu primeiro filme, A Partilha...
É verdade, aconteceu tudo junto. Depois fiz Nina, O Redentor, Beline e a Esfinge e outros tantos, e não necessariamente na mesma ordem  (risos). Agora fiz Tudo que Deus criou, que é um filme paraibano, do diretor André Costa Pinto, que vai estrear este ano. Inclusive estou indo para a Paraíba no final de fevereiro para o lançamento do filme, que depois será lançado no Brasil inteiro.

Conte-nos um pouco de Tudo que Deus Criou.
Nesse filme eu faço a Ângela, uma soropositiva contaminada pelo marido. É um trabalho a que atribuo bastante importância, porque é uma história real, acontecida lá em Campina Grande-PB. Essa mulher matou o marido jogando água fervente no ouvido dele. O marido estuprava o irmão, que é travesti, mas a família não sabia... É um filme muito comovente. Enfim, Ângela é uma personagem bastante diferente da Bebel, assim como a Nina...

Parece que Nina é seu grande trabalho no cinema. Como foi que Nina chegou até você?
Nina foi o primeiro longa de Heitor Dhalia (que também dirigiu À Deriva e O Cheiro do Ralo) e ele fez o filme inspirado em mim. Não é problema falar, pois ele já falou pelos quatro cantos do mundo que eu fui a musa dele, até para essa mudança dele da publicidade para o cinema. Ele trabalhava numa grande agência internacional em São Paulo, a Young & Rubicam, e depois do Nina ele despontou como diretor, ganhou diversos prêmios nacionais e internacionais e não parou mais, inclusive está dirigindo um filme em Hollywood.

E como foi fazer Nina?
Nina é baseado em Crime e Castigo, de Dostoievski. A Nina é um Raskolnikov (personagem principal do romance de Dostoievski) de saias. O filme se passa em São Paulo, e contraceno com a grande atriz Myriam Muniz (que em Nina faz a mesquinha senhoria dona Eulália), que faleceu no começo de 2005.

Nina, como Raskólnikov, é um personagem muito atormentado. Deu trabalho para se livrar dos “demônios” da personagem?
Deu um pouco de trabalho sim. Foi uma imersão muito grande, foram três meses entre a filmagem e a preparação e, enfim, a Nina é de um universo bem obscuro, underground e ela também tem uma esquizofrenia bem forte e os desenhos dela no filme retratam seu universo interno, que é bastante conturbado. No filme, Nina tem caderno de desenhos, em que, sob a forma de macabras ilustrações, descarrega seu ódio sobre a dona Eulália, algoz e alvo de toda a loucura de Nina.
Deu trabalho pra me livrar, mas, ao mesmo tempo, eu acho que o trabalho do ator é muito daquele poema de Fernando Pessoa: “O poeta é um fingidor.Finge tão completamente, que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente”. A gente mergulha nesses universos. Como agora, em Sade em Sodoma, que é um texto bem pesado, onde faço a Madame Duclos, uma cafetina, assassina, sequestradora... Na verdade, você brinca com aquilo.

Adaptar um texto de Sade, que é do século XVIII, para o século XXI... Você acha que estamos mais pertos ou mais distantes do universo sádico?
Continua tudo igual: Os libertinos estão aí, está aí o abuso de poder de alguns políticos e alguns poderosos e o dinheiro é um grande corruptor. No texto, tem uma frase que falo: “O dinheiro incentiva a corrupção”. E é complicado, porque os poderosos acham que podem dispor da vida dos não poderosos como bem lhes aprouverem. E não é assim, não é? O que acontece entre quatro paredes nesses castelos nababescos construídos com dinheiro público é o que a gente retrata na peça.
Na narrativa da peça tem padres pedófilos. E, recentemente, passamos com a peça por Arapiraca-AL, onde um padre foi filmado fazendo sexo com um coroinha menor de idade, na época, e caiu na web. Ou seja, a gente não está falando de nada que não exista nos dias de hoje. Só que, é claro, a gente está falando da França, do Castelo de Silent, mas poderia ser ambientado em qualquer lugar e época.

Só mais uma coisa, Guta, vejo que sua biografia artística é pautada pela grande literatura. O que está lendo ultimamente, e como é a sua relação com a literatura?
Estou terminando o segundo volume de Os Irmão Karamazov, de Dostoievski. Adoro Dostoiéviski, os clássicos. Claro que a gente não vai conseguir nunca ler tudo que quer, mesmo que dedicasse toda a vida para isso, mas eu procuro ler os livros que influenciaram a literatura universal, eu tento ler todos os grandes livros que influenciaram, todos os grandes autores que influenciaram a história da literatura. Enfim, a minha relação com a literatura é maravilhosa, tanto que gosto de escrever também.

Já tem algo publicado?
Publiquei um livro infantil Meu pequeno coxa branca, ilustrado pelo artista curitibano Teo Carneiro, pela editora Belas Letras e faz parte da coleção Meu pequeno torcedor. Então, meu livro é meu pequeno coxa branca, por que sou coxa branca (como é conhecido o torcedor do Coritiba).

* Entrevista publicada no jornal Folha do Estado da Bahia, na edição de 05 de fevereiro de 2012.