segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Consciências

Consciência negra em Feira de Santana, 2011


Consciência s.f. 1 Sentimento ou reconhecimento que permite ao ser humano vivenciar, experimentar ou compreender aspectos ou a totalidade de seu mundo interior (HOUAISS)



Jorge de Angélica, músico
Foto: Dolores Rodriguez
Rapaz, ser negro, hoje, na maioria das vezes, é ser usado por algumas entidades que se dizem protetora da cultura e dos direitos dos negros, e por outros que usam os negros nos dias de micareta e depois os jogam ao léu. O nego dá o sangue pela sua escola de samba, ou seja lá o que for, e no máximo chupa uma cachaça, mas se cair doente no resto do ano essas entidades não oferecem qualquer tipo de proteção. O que eu vejo mesmo é que o negro ainda está sendo usado como massa de manobra.







                     
Nunes Natureza, compositor do Afoxé Pomba de Malê e autônomo
Foto: Patrícia Martins


Ser negro em Feira de Santana é ser vítima de tanta coisa. Os preconceitos econômico e social ainda imperam e se misturam, pelo fato de ser negro ainda é ser pobre, para a grande maioria. Este é um dia para se ativar contra essas agruras que o negro sofre, mas a consciência tem que ser permanente e as entidades têm que trabalhar reforçando o sentimento de cidadania, para que haja igualdade e igualdade de oportunidades.



Ericivaldo Veiga, sociólogo

Foto:Patrícia Martins


A própria sociedade, com essa dinâmica pela qual ela vem passando, o que se chama de mundo globalizado, permite o aparecimento de concepções novas, de ideias novas e de formas novas das pessoas se verem e se comportarem diante do mundo. Então, é meio complexo ter uma alternativa única de uma pessoa se ver enquanto um ator social com uma identidade definida: negro, ou índio, enfim, a gente vê tanto exemplo das diversidades sexuais, o mundo se abrindo para tantos comportamentos, para tantas posições que antes não eram bem toleradas.
É muito complexo dizer hoje em dia que ser negro corresponda a apenas uma concepção de mundo. Ser negro, hoje em dia, como ser branco, como ser índio, como ser homossexual, como ser de determinada religião ou ser de outra, diz respeito a um indivíduo que tem expectativas diversas, que não estão resumidas apenas à cor da sua pele, nem ao seguimento religioso a que ele está associado. Ser negro, como fazer parte de qualquer um desses grupos, corresponde a ter uma compreensão crítica da vida e de como ela funciona.




Frei Cal, vereador 
(Por e-mail)
Foto: Gleidson Santos


Ser negro é viver a vida que ao longo dos anos foi negada, tirada e explorada; é ter liberdade, terra, moradia, educação, saúde, segurança e poder ir e vir tendo os seus direitos respeitados.
É ter orgulho da cor, da raça, da história, cultura e religião, é nunca esquecer da Mãe África  e lembrar sempre dos irmãos que um dia vieram do além mar, é continuar contando e recontando o que fizeram conosco, mas também é falar das vitórias  e conquistas que são alcançadas. É ter esperança e nunca desanimar, pois sabemos que a luta na verdade ainda não acabou.

Simone de Angélica, equéde da casa de Mãe Sônia, na Rua Nova
Foto: Edeilson de Souza


Pra mim, ser negro significa tudo, pois é toda a minha experiência de vida que está incluída nestas duas palavras.



Rafael de Jesus Santana, funcionário do Cuca/Uefs
Ser negro é bom. Eu gosto de ser negro, apesar de ter as sua dificuldades. Por exemplo, a maioria dos negros fica atrás dos brancos quando a questão é educação. Mas a galera negra está superando, aos poucos. Estão correndo atrás da igualdade, através dos estudos, do conhecimento, e assim se vai levando as conquistas mais adiante.


Gleidson Sena Dias, estudante de Geografia na Uefs

Ser negro na sociedade em que vivemos, ainda é complicado, porque há discriminação ao ser negro. Além de não ter o espaço que pessoas de pele clara têm – embora aqui no Brasil se diga que não há raça específica, que somos todos iguais, etc.–, para o negro conseguir alcançar um patamar mais elevado na sociedade ainda tem que se esforçar bastante. Então, fica mais complicado, mais difícil, porque o negro tem que se desempenhar muito mais, tanto nos estudos quanto no mercado de trabalho. Ele acaba tendo que ter que fazer seu diferencial, não pode ser apenas mais um, tem que ser o número um.




Hailton Getúlio, artista visual e oficineiro da OCA/Cuca
Foto: Patrícia Martins

Eu penso no conjunto, sobre as pessoas de todas as cores: negro, branco ou amarelo. As pessoas devem pensar em procurar seu espaço na sociedade. Eu não acredito que a sociedade esteja muito preocupada com o fato de você ser negro ou não, ela pergunta mais quem você é e o que faz. Que existe racismo, existe, mas todo e qualquer homem, ou mulher, deve procurar a sua cidadania, estudar, se qualificar e ter uma profissão para conviver em sociedade. Hoje existem políticas afirmativas em todos os seguimentos, o que facilita muito, já que nós temos uma cota muito vasta de direitos. O que precisamos aprender é acioná-los, mas isso só acontece com o exercício constante da cidadania.


  
Maria das Graças, 54, aluna da oficina de cerâmica da OCA/Uefs
Foto: Gleidson Santos

As pessoas conseguem alguma coisa lutando. Se a gente ficar nessa de ‘discriminação racial’, não sei quê, e de braços cruzados, não vai a lugar algum. Trabalho desde criança e sei do valor das coisas. Adolescente, em Salvador, eu carregava água pra ganhar dinheiro. Chorei muito, porque não pude estudar, pois não tinha o dinheiro para pagar a taxa de admissão para seguir os estudos, nem pra comprar farda, pois o dinheiro que ganhava tinha que botar em casa. A gente tem que correr atrás.


Jamile, 21, aluna de oficina de desenho da OCA/Cuca
Foto: Gleidson Santos


Esses dias saíram, em todos os órgãos de imprensa, dados do IBGE dizendo que Salvador é a cidade mais negra do País. Pelo fato de Salvador ser a cidade mais negra, não deveria ter tanto preconceito como tem. Se você for negro e for procurar um emprego num shopping, lá, não é bem visto, como um candidato que não tem pele negra. Este, provavelmente, ficará com a vaga.



Gleidson Santos, repórter policial e fotógrafo do Folha do Estado
Com alguns anos de experiência em jornalismo policial, nem preciso de dados do IBGE para constatar que 80% da população carcerária aqui em Feira, como em quaisquer outras cidades brasileiras, são compostos por negros. Isso não quer dizer, necessariamente, que negros cometam mais crimes que brancos - pode até cometerem, por terem menos chances e perspectivas de consumir, inegável herança do passado escravocrata. Mas eu acredito que a superlotação negra nas cadeias se dá também porque a visão da Justiça, e até da polícia mesmo, ainda é outra sobre o negro, que ainda parece ser mais vulnerável à punição.
Por outro lado, ser negro sempre foi bom, mas agora está melhor ainda. As políticas afirmativas em prol do povo afrodescendente e do pobre, de um modo geral, não são tudo, mas já é um bom começo. 

Publicado na edição nº 3.654, de 20 de novembro de 2011, do Folha do Estado da Bahia













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